Filosofias que questionam ou defendem a ideia de um agente econômico racional
A racionalidade econômica é um dos pilares sobre os quais repousa grande parte da teoria econômica moderna. A ideia a qual os agentes econômicos – sejam eles indivíduos, empresas ou governos – tomam decisões de maneira racional, maximizando sua utilidade ou lucro, tem sido amplamente aceita, particularmente dentro da economia neoclássica. No entanto, essa concepção de racionalidade tem sido alvo de críticas e questionamentos profundos, tanto por filósofos quanto por economistas. Neste texto, exploraremos a evolução do conceito de racionalidade econômica, os defensores desse princípio e as críticas que surgiram a partir de estudos comportamentais e filosóficos, destacando as implicações dessas perspectivas para a análise econômica contemporânea.
O Agente Econômico Racional: Uma Herança Clássica
A ideia de racionalidade econômica tem suas raízes no pensamento clássico, particularmente em obras como A Riqueza das Nações (1776) de Adam Smith. Smith introduziu a noção de que indivíduos, ao buscarem seus próprios interesses, contribuíam para o bem-estar geral da sociedade por meio de um mecanismo que ele chamou de “mão invisível”. Para Smith, os agentes econômicos agiam racionalmente ao buscar maximizar seus ganhos pessoais dentro de um mercado competitivo.

No entanto, é importante notar que, mesmo em Smith, a ideia de racionalidade era permeada por considerações morais e éticas. Sua obra menos conhecida, Teoria dos Sentimentos Morais (1759), explora a dimensão emocional e empática do comportamento humano, sugerindo que a racionalidade pura e desinteressada não capturava toda a complexidade das motivações humanas.

Esse pensamento foi posteriormente refinado pela escola neoclássica, com economistas como William Stanley Jevons, Carl Menger e Léon Walras. Eles ajudaram a estabelecer as bases da microeconomia moderna, onde a racionalidade dos agentes econômicos é representada por funções matemáticas que descrevem a maximização de utilidade (para consumidores) ou lucro (para produtores).
Aqui, a racionalidade é uma questão de coerência e consistência: um agente racional é aquele cujas escolhas seguem um padrão lógico e previsível, fundamentado em preferências estáveis e na informação disponível.
A partir desses fundamentos, a noção de “homo economicus” emergiu como um modelo simplificado do comportamento humano. O homo economicus é o agente idealmente racional, sempre agindo para maximizar seus interesses próprios com base em cálculos de custo-benefício. Este modelo, embora útil em muitas análises econômicas, também se tornou um alvo frequente de críticas por sua visão simplificada da natureza humana.
Desafios à Racionalidade: A Psicologia e a Economia Comportamental
Ao longo do século XX, a teoria da racionalidade econômica começou a enfrentar desafios significativos, especialmente com o surgimento da economia comportamental. O economista Herbert Simon, em 1957, cunhou o termo “racionalidade limitada” (bounded rationality) para descrever como os indivíduos, em situações do mundo real, raramente tomam decisões perfeitamente racionais. Simon argumentou que, devido à limitação de informações e à capacidade cognitiva dos seres humanos, eles tomam decisões que são apenas “satisfatórias”, em vez de ótimas. Sua obra Models of Man (1957) lançou as bases para a crítica de que o modelo neoclássico de racionalidade era uma idealização exagerada.
Essa visão foi expandida nas décadas seguintes por psicólogos como Daniel Kahneman e Amos Tversky, cujas pesquisas sobre vieses cognitivos e heurísticas demonstraram que os seres humanos frequentemente tomam decisões irracionais de forma sistemática. Em sua obra seminal Judgment Under Uncertainty: Heuristics and Biases (1982), Kahneman e Tversky mostraram como as pessoas tendem a usar atalhos mentais que, embora úteis em muitos contextos, podem levar a erros de julgamento e a decisões que não maximizam sua utilidade.
A pesquisa de Kahneman, que mais tarde resultou no Prêmio Nobel de Economia em 2002, revelou que os indivíduos são influenciados por uma série de fatores emocionais e psicológicos, como o excesso de confiança, o viés de ancoragem e a aversão à perda, que desafiam a noção de racionalidade pura. Sua obra Thinking, Fast and Slow (2011) sintetiza décadas de pesquisa e apresenta um argumento convincente de que, em muitas situações, os agentes econômicos tomam decisões que violam os princípios da racionalidade econômica clássica.
Atalhos Mentais de Kahneman e Tverky
Os dois psicólogos israelenses, introduziram a ideia de que os seres humanos frequentemente utilizam atalhos mentais ou heurísticas para simplificar a tomada de decisão, especialmente em situações complexas ou com informações limitadas. Mas o que são esses atalhos mentais?
São ferramentas que embora úteis para economizar tempo e esforço, podem levar a erros sistemáticos ou viéses cognitivos.
São eles:
- Heurística da Representatividade:
Esta heurística leva as pessoas a julgar a probabilidade de um evento com base em sua semelhança com uma categoria ou estereótipo existente. Em vez de considerar probabilidades objetivas, as pessoas tendem a fazer julgamentos rápidos, comparando o quão representativo um exemplo parece ser de um determinado grupo ou conceito.
Exemplo: Ao conhecer uma pessoa que é calma e organizada, alguém pode supor que essa pessoa é bibliotecária, porque esses traços parecem “representar” estereótipos comuns sobre bibliotecários, ignorando a probabilidade real de essa pessoa ser outra coisa.
Problema: Essa heurística pode levar a ignorar taxas base (informações estatísticas relevantes), fazendo com que as pessoas tomem decisões com base em características superficiais, em vez de considerarem evidências objetivas.
- Heurística da Disponibilidade:
A disponibilidade se refere à tendência das pessoas de basear seus julgamentos sobre a probabilidade de eventos na facilidade com que exemplos desses eventos vêm à mente. Quanto mais facilmente um exemplo for lembrado, mais provável parece ser.
Exemplo: Após assistir a notícias sobre acidentes aéreos, as pessoas podem superestimar a probabilidade de acidentes de avião, simplesmente porque esses eventos estão frescos na memória, embora os acidentes aéreos sejam raros em comparação com outros meios de transporte.
Problema: A heurística da disponibilidade pode levar as pessoas a superestimar eventos dramáticos ou recentes e a subestimar eventos menos memoráveis, mas mais frequentes.
- Heurística da Ancoragem:
Ancoragem é a tendência de as pessoas se basearem fortemente na primeira informação recebida (a âncora) ao tomar decisões, mesmo que essa informação seja irrelevante ou aleatória. Depois de expostas a um ponto de referência, as estimativas ou decisões subsequentes tendem a ser influenciadas por esse valor inicial.
Exemplo: Se uma pessoa está comprando um carro e o vendedor primeiro menciona um preço muito alto, qualquer desconto subsequente parecerá mais atraente, mesmo que o preço final ainda seja superior ao valor justo de mercado.
Problema: A ancoragem pode distorcer decisões, levando as pessoas a focar demais na primeira informação e a ajustar seus julgamentos insuficientemente com base em dados adicionais.
- Heurística do Afastamento e Ajuste:
Uma variante da heurística da ancoragem, onde as pessoas começam com uma estimativa inicial (ancoragem) e fazem ajustes a partir dela. No entanto, esses ajustes tendem a ser insuficientes, resultando em julgamentos que permanecem próximos à âncora inicial.
Exemplo: Ao negociar um salário, uma pessoa pode começar com uma oferta inicial e depois fazer pequenos ajustes, sem se afastar muito da primeira proposta, mesmo que seja possível negociar mais favoravelmente.
- Ilusão de Controle:
Esse atalho mental leva as pessoas a superestimar sua capacidade de controlar ou influenciar eventos sobre os quais, na realidade, elas têm pouco ou nenhum controle. Essa heurística pode gerar a crença de que se pode manipular o resultado de eventos puramente aleatórios.
Exemplo: Jogadores de loteria que escolhem seus números podem acreditar que têm mais chances de ganhar do que aqueles que escolhem números aleatórios, mesmo que a probabilidade seja a mesma.
Problema: A ilusão de controle pode levar a riscos desnecessários ou a crenças erradas sobre a influência em eventos incertos.
- Viés de Otimismo:
Esse viés reflete a tendência das pessoas de subestimar os riscos e acreditar que eventos positivos têm mais probabilidade de acontecer com elas, enquanto eventos negativos são improváveis.
Exemplo: As pessoas podem subestimar suas chances de sofrerem um acidente ou perderem o emprego, acreditando que esses eventos negativos são mais prováveis de acontecer com os outros.
Problema: Esse viés pode resultar em tomada de decisões excessivamente arriscadas, subestimando a necessidade de planejamento para cenários negativos.
John Maynard Keynes e a Incerteza
Outro crítico notável do conceito de racionalidade econômica foi John Maynard Keynes, cujas ideias revolucionaram o pensamento econômico no século XX. Em sua obra mais famosa, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936), Keynes abordou a questão da incerteza fundamental, argumentando que os agentes econômicos muitas vezes operam em condições de incerteza radical, onde não é possível calcular probabilidades ou maximizar racionalmente o comportamento. Em vez disso, os indivíduos tendem a depender de convenções sociais e expectativas psicológicas para tomar decisões, especialmente em relação ao investimento e à especulação financeira.

A famosa “teoria dos espíritos animais” de Keynes descreve como as decisões de investimento são frequentemente influenciadas por fatores irracionais, como otimismo ou pessimismo generalizados, que podem desencadear ciclos de expansão ou recessão. Isso foi uma crítica direta ao modelo clássico de racionalidade, que pressupõe que as expectativas e decisões são formadas de maneira estritamente lógica e baseada em dados objetivos.
Críticas Filosóficas: A Racionalidade Instrumental
Além dos economistas, filósofos também questionaram a concepção dominante de racionalidade econômica. O filósofo Amartya Sen, que recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 1998, criticou a visão estreita de racionalidade econômica que se concentra exclusivamente na maximização do interesse próprio. Em sua obra Rational Fools (1977), Sen argumentou que a teoria econômica tradicional negligencia outras dimensões da racionalidade humana, como o comportamento ético, altruísta e socialmente consciente. Para ele, a racionalidade não deve ser vista apenas como um cálculo instrumental, mas deve levar em consideração o pluralismo dos valores humanos e as obrigações sociais.
Sen também introduziu o conceito de capacidades em sua obra Development as Freedom (1999), argumentando que o bem-estar humano não pode ser medido exclusivamente em termos de utilidade ou renda, mas deve considerar as oportunidades reais que os indivíduos têm para desenvolver suas capacidades e levar uma vida que valorizem. Nesse sentido, a racionalidade não é simplesmente maximizar o lucro ou a utilidade, mas expandir as capacidades humanas e criar as condições para a liberdade e o desenvolvimento.

O conceito de racionalidade econômica, amplamente aceito e defendido pela economia neoclássica, tem sido alvo de críticas substanciais ao longo dos anos, tanto de economistas comportamentais quanto de filósofos. A ideia do homo economicus, enquanto modelo útil para algumas análises, muitas vezes falha em capturar a complexidade das motivações humanas e as limitações cognitivas que moldam a tomada de decisão na vida real. Pensadores como Herbert Simon, Daniel Kahneman, John Maynard Keynes e Amartya Sen nos lembram que a racionalidade é muito mais multifacetada do que a maximização de interesses individuais pode sugerir. À medida que a economia continua a evoluir, é essencial que incorporemos essas críticas e consideremos uma visão mais holística e humana da racionalidade econômica, que reconheça a incerteza, a emoção e a diversidade de valores que influenciam o comportamento dos agentes.
Livros e Links
Adam Smith – A Riqueza das Nações
Amartya Sen – Desenvolvimento como liberdade